quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Eu, sondador, me confesso!

Francisco Lopes
Campo Pequeno, domingo 16

Sondando um sondador:

Por que é que sonda? - Porque me pagam.

Para quem sonda? – Para os que me pagam.

E se não lhe pagarem? – Não sondo.

O objectivo principal do sondador? – Agradar a quem lhe paga.

Qual o tipo de sonda que utiliza e que no seu entender é a mais eficiente? - O eurão ou cifrão, tanto faz.

O que aconteceria se os resultados das suas sondagens não agradassem a quem as encomenda? – Não me pagavam.

A votação para o PE não esteve de acordo com as projecções apresentadas. A quem imputar tal discrepância? – Aos que me pagaram; desejavam que os resultados eleitorais correspondessem ao produto que me encomendaram.

Mas, assim sendo, há alguma hipótese de que alguma vez as sondagens sejam credíveis? – Sim, para os que me pagam.

As sondagens são caras? – Sim. Para quem não tem dinheiro para as encomendar.

A quem vende as sondagens? – A quem os resultados que apresento lhes agrade e melhor me pague.

Deste modo podemos concluir que há sondagens para todos os gostos. - Sim. Tenho sondagens por catálogo com preçário e possuo contactos telefónicos disponíveis a qualquer hora do dia ou da noite para satisfazer encomendas urgentes.

Ontem inquiri 150 pessoas e a sondagem agradou ao meu cliente.

As sondagens encomendadas têm objectivos político-partidários? - Nunca pergunto aos meus clientes qual o destino que pretendem dar aos produtos que lhes vendo. Sou um profissional muito discreto.

Os que foram matraqueados com os seus embustes vão estar disponíveis para acreditar nas próximas sondagens – Como não foram eles que nos pagaram esquecem rapidamente.

Portanto é tudo uma questão de dinheiro! – Claro. E não poderia ser de outro modo. É um negócio rentável, a clientela é segura e exigente mas muito restrita.

Será que as sondagens não passam de palpites como diria a minha tia e os sondadores pregoeiros pouco recomendáveis? - Não respondo a provocações.

Quando será que deixarão de lhe encomendar sondagens? – Quando vivermos em democracia.

E quando é que isso acontecerá? – Quando deixar de haver sondagens.

Estamos esclarecidos.

Honni soit qui mal y pense!



Um caso de polícia

A Marktest realizou de 14 a 16 de Janeiro uma sondagem para o Diário Económico e TSF para analisar as intenções de voto nas eleições presidenciais do próximo domingo. Os resultados desta sondagem, que dá a Cavaco Silva uma folgada vitória à primeira volta, têm sido amplamente divulgados durante o dia de hoje por toda a comunicação social e foram até objecto de debates e fóruns em estações de rádio e televisão.

Ora vejamos a ficha técnica da pretensa sondagem:

1. O universo é a população com mais de 18 anos e que habita em residências com telefone fixo;

2. A amostra é constituída por um total de 802 inquiridos e foi estratificada por 6 grandes regiões:

2.1. Grande Lisboa 156 inquiridos (19,5% do total);

2.2. Grande Porto 88 inquiridos (11,0% do total);

2.3. Litoral Norte 155 inquiridos (19,3% do total);

2.4. Interior Norte 181 inquiridos (22,6% do total);

2.5. Litoral Centro 129 inquiridos (16,1% do total);

2.6. Sul, mesmo incluindo a Península de Setúbal, 93 inquiridos (11,6% do total).

3. Do total dos inquiridos 802, responderam a este inquérito 22,6%, ou seja 181 inquiridos. Destes 35,6% responderam não sabe/não responde, isto é, só 116 responderam efectivamente a este inquérito e mesmo dentro destes ouve alguns indecisos que foram distribuídos proporcionalmente aos que declaram sentido de voto.

Vejamos agora qual é, de acordo com os últimos dados do INE, a distribuição da população portuguesa pelas 6 grandes regiões, em que este inquérito foi estratificado:

  • Na Grande Lisboa, reside 20% da população, no Grande Porto 12,7%, no Litoral Norte 20,1%, no Interior Norte 11,9%, no Litoral Centro 15,7% e no Sul 19,6%.

Em conclusão: a Marktest tendo por base a resposta de 100 inquiridos, foi este o nº avançado na TSF pelo Sr. Luís Queirós director da Marktest, e uma amostra que atribui aos residentes do Interior Norte um peso correspondente a quase ¼ da população do país, quando efectivamente o seu peso é de pouco mais do que 1/10 e atribuindo aos residentes na região Sul um peso de pouco mais de 1/10, quando o seu peso é de quase 1/5, conseguiu chegar aos brilhantes resultados que esta sondagem apresenta.

Com um pouco mais de esforço e esta sondagem ignorava a vontade dos cerca de 2 milhões de portugueses que residem a sul do País e atribuía aos residentes no Interior Norte, sempre tão esquecidos, um peso determinante no direito de decidir o sentido de voto de todos os portugueses.

Aquilo a que hoje assistimos, pelas suas possíveis implicações no sentido de voto de muitos portugueses, é um verdadeiro caso de polícia, que deveria obrigar as entidades responsáveis pelo acompanhamento destas pretensas sondagens a pura e simplesmente investigar aquilo que sucedeu e actuar, por forma a impedir que este tipo descarado de manipulações possa continuar a ser feito. Como se já não bastasse o silenciamento e deturpação, vêm agora empresas de sondagens que são autênticos burlões, procurar confundir e condicionar o sentido de voto de milhares e milhares de portugueses.

Lisboa, 19 de Janeiro de 2011

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4 comentários:

Graciete Rietsch disse...

Que maravilhoso diálogo. PARABÉNS.

Um beijo.

beijokense disse...

Eu acho que seria melhor consultarem o desenho...

amsf disse...

As elites nacionais vão receber o meu cartão vermelho da mão do candidato José Manuel COELHO!

Ainda acredito numa 2ª volta que depende dos portugueses e não das empresas de sondagens...

Fernando Samuel disse...

Um caso de polícia, de facto, como o BPN, etc., etc.

Um abraço.