domingo, 29 de janeiro de 2012

SUSPIROS e LAMENTOS

“Uma tristeza cheia de pavor esfria-me.”
Demogorgon – Álvaro de Campos
SUSPIROS e LAMENTOS

Uma manhã soalheira, um dia como qualquer outro na capital de um país que de seu pouco mais tem que a bandeira; mas havia sol, esse que quando nasce, dizem ser para todos. Dizem…

Encontrava-me numa das ruas que vai desembocar no Marquês de Pombal, artéria movimentada, invadida por escritórios, e com a correspondente densidade demográfica daí decorrente.

Entrei no café, aproximei-me do balcão e, quando me preparava para encomendar a rotineira bica, a senhora a quem me ia dirigir soltava um profundo suspiro que mais se afirmava como lamento.

Respondendo à interrogação do meu olhar com um sorriso triste, indicou as mesas vazias e, como que a pedir desculpa, exclamou: é isto!

“As despesas fixas vão aumentando, a concorrência é enorme, a clientela escasseia, de dia para dia, e a que ainda aparece vem reduzindo os gastos.”

E continuou:

“Neste edifício a maior parte dos escritórios fecharam; e nos que restam quase todo o pessoal está a prazo, e com os baixos salários de que usufruem, a bica habitual torna-se num luxo.”

Já não era a justificação do suspiro, nem parecia que se me dirigisse, as frases iam saindo como um lamento ou lamúria ou talvez desabafo.

“Tinha quatro empregadas, agora só tenho duas, e são imigrantes. Aceitam salários mais baixos. Compreende?...”

De forma desajeitada esbocei um: É pena… a vossa classe, quando se encontrava um pouco mais desafogada, insurgia-se contra as greves, achava que os trabalhadores estavam sempre a exigir melhores vencimentos, mais segurança e… não pensaram que são os trabalhadores, que têm o salário assegurado, os vossos principais clientes.

Os grandes senhores, os que ganham milhões, não é aqui que vêm tomar o pequeno-almoço, comer um bolo, beber um café. A vossa prosperidade depende totalmente do bem-estar da classe média, que também está sendo espoliada de direitos, direitos que foram adquiridos por todos aqueles que nada mais possuem que a sua força de trabalho.

Nunca pensou nisto, pois não?

A senhora fixava-me com um olhar vago, não sei se concordando comigo se continuando a pensar no negócio que tantas preocupações lhe causava.

Mais um suspiro e num murmúrio desabafou: “investi aqui as minhas últimas economias e já não tenho idade para encontrar trabalho. Nós os pequeninos somos esmagados como formigas, isto está bom é para os grandes, os muito grandes.”

E por aqui nos ficámos.

Um outro comerciante, sujeito inteligente, depois de me servir e antes que eu saísse, procurou fazer conversa, detendo-me durante algum tempo no estabelecimento, e dada a convergência de pontos de vista acabou por me confessar: procuro entreter os clientes para manter a casa composta.

“Um estabelecimento vazio afasta a clientela. A pastelaria, o café, o restaurante ou a taberna são espaços sociais, as pessoas sentem-se bem acompanhadas, além de que um estabelecimento cheio faz pressupor que o produto é bom ou que a relação qualidade preço é, no mínimo, aceitável.”

Fez questão de me oferecer um café e acabámos por nos sentar; a necessidade de falar, de extravasar as preocupações acumuladas. Era urgente a catarse, sentia-se.

Sem perda de tempo continuou: “Levamos uma vida de faz-de-conta; fazemos de conta que somos patrões, fazemos de conta que tudo vai bem. Denunciar as nossas dificuldades só nos dificulta a comunicação; na generalidade, as pessoas sentem-se melhor com os que têm uma vida desafogada, como se tivessem receio que as dificuldades e as preocupações sejam contagiosas; estar junto dos que vencem dá-lhes mais segurança.”

E num discurso magoado continuou:

“A exclusão social começa a fazer-se sentir não só sobre os que nada têm, mas também sobre os que vão deslizando para o nada ter. Por isso é necessário ludibriá-los, dando-lhes a ilusão de que tudo vai bem. Esta sociedade cilindra todos os que não vencem, sem questionar que meios utilizam os pretensos vencedores.”

Levantei-me e agradeci-lhe a atenção. De olhos marejados e voz embargada pediu-me para voltar, gostava de conversar comigo. Disse. E com um sorriso triste concluiu: Sabe; tenho necessidade de falar.

1 comentário:

Pata Negra disse...

Eu tinha um restaurante costumeiro onde às vezes comia, onde parava às vezes para levar comida para casa! Entre conversas o homem senttenciava que deviam baixar o rendimento - não o meu, a mim não me dizia - de outros como eu! Conseguiu! Agora não tem clientes!
Será que este povo já se começou a enxergar?! Que não poderá viver melhor com o mal do seu semelhante?! E, entenda-se, não somos todos semelhantes!
(vim aqui, não pelo que parece evidente mas, curiosamente, porque acabo de falar de palavras e armas com um amigo anónimo)
Um abraço 21