domingo, 21 de setembro de 2014

O pobre carteirista



Carteirista, profissão sem futuro.

«A cobiça de riquezas he como o fogo, que nunca diz, basta.»

Arte de Furtar (1652)

No local mais discreto do café, o carteirista recuperava a despesa da bica lendo o jornal à disposição da clientela. A vida estava cada vez mais difícil, os porta-moedas que conseguia palmar não pagavam o risco, alguns vinham mesmo vazios, fruto da crise generalizada na arraia-miúda, tinha, pois, que saber gerir bem os magros cêntimos que arrebanhava de quando em vez.

O homem que tomava a bica e lia o jornal estava como que hipnotizado com as grandes parangonas do matutino:
«Menezes investigado»
Olhou para mim, pediu-me um cigarro e desabafou: “desculpe o incómodo mas estas notícias deixam-me nervoso e o tabaco está tão caro…”.
Tranquilizei-o, dizendo que o Menezes quis deixar as dividas arrumadas antes de sair de Gaia e que além dos 300 milhões assumiu um contrato de 150 milhões de euros que vigorará até 2026. Tudo com uma só preocupação, defender os nossos interesses.

No entanto achei por bem esclarecer o honesto artesão que, face a estes indivíduos, os carteiristas merecem toda a minha consideração.

O homem virou a página, dirigindo-se-me, excitado: “olhe o melro: vai-nos à carteira todos os dias e abotoou-se com 150 mil euros.»
Procurei que se acalmasse esclarecendo-o que lapsos de memória todos nós temos, uns mais que outros, mas haja quem “atire a primeira pedra.” E que todos os dias somos confrontados com desvios de milhões feitos por burlões qualificados, sem menosprezo pela sua alta qualificação profissional, que muito prezo, disse.
O carteirista começou a empalidecer, pediu um copo com água e mais um café. Recuperado do choque, confessou não se sentir habilitado para entrar nesse mundo do crime.
Desculpando-se, levantou-se, alegando que tinha que aproveitar a hora de ponta no Metro para garantir o almoço; quando procurei pagar a despesa já não tinha porta-moedas. Ao sair do café, o pobre homem vinha acompanhado por um polícia. Com um sorriso triste, disse-me que já tinha o almoço garantido e devolveu-me o dinheiro.
Aos outros a polícia bate-lhes a pala, não andam de Metro, têm motorista privativo e o futuro sorri-lhes; sabem que depois das muitas aventuras rocambolescas que fariam inveja a Ponson du Terrail, virá a prescrição ou qualquer outra artimanha judicial que os iliba.

E a contradança recomeça com a mesma quadrilha.

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