terça-feira, 4 de outubro de 2016

Ética e Semiótica do Relatório MacBride



Ética e Semiótica do Relatório MacBride

Algumas dissertações desordenadas para uma Nova Ordem da Informação e da Comunicação

Por Fernando Buen Abad Domínguez

“A forma como as coisas se apresentam não é o que são; e se as coisas fossem como se apresentam toda a ciência soçobraria.” K. MARX.

Não haviam arrefecido os cadáveres no Vietnam, não tínhamos saído ainda do estupor das carnificinas humanas que a televisão transmitia nos horários das refeições e noticiários ao pequeno-almoço… quando a UNESCO propôs a Sean MacBride a elaboração de um relatório mundial (1976-1980) sobre os “meios de comunicação" e o papel que desempenharam e desempenhariam ante o Direito dos povos de receber, equipar-se e equipar, informação e comunicação. Em 1983 os 90% dos media nos USA eram controlados por 50 empresas… no ano 2001 os 90% eram controlados por 6 empresas.

No âmago do relatório MacBride flui um conjunto de preocupações que tem como ingredientes as preocupações com os desenvolvimentos comerciais dos media, os avanços tecnológicos e sua distribuição, os problemas jurídicos e os problemas de Estado, coloca também em debate e diagnóstico o exercício de direitos cruciais que, no campo da produção de informação e de meios para que a comunicação social, possa garantir igualdade de condições e liberdade para as múltiplas necessidades expressivas dos povos. Debate igualmente a hegemonia do capital na produção de sentido e o papel contra a emancipação dos povos.

De maneira implícita, o Relatório MacBride abre a porta para analisar as ferramentas com as quais será possível construir a Nova Ordem que reclama para a Informação e a Comunicação como a melhor forma de garantir igualdade de oportunidades e igualdade de condições às “Múltiplas Vozes” que exigem o seu lugar “Num Só Mundo”.
O problema é fundamentalmente económico. Ciências como a Ética e a Semiótica, emancipadas de algumas hegemonias academicistas e léxicas, deveriam ser ferramentas muito dinâmicas e apaixonantes para as tarefas formativas e práticas na luta pelo conhecimento social forjado de maneira dialética e não por métodos escapistas e isolados. As achegas científicas não perdem qualidade quando expõem, também, as propostas políticas transformadoras de que os povos necessitam para as suas lutas. É urgente deixar de supor que a Ética ou a Semiótica são disciplinas inconexas ou formas pseudo-místicas assexuadas de uso exclusivo para iniciados nos méis das sinecuras e mordomias “académicas”.

Abundam os comunicólogos vendedores de vazio ideológico que, embriagados com eles próprios, fabricam fetiches para esquecer a história em que vivem. Nem é necessário nomeá-los. São pais, padrinhos ou padrastos de dogmas a granel cujo destino primário é converter-se em objeto de repetição insossa nas bocas de alguns estudantes condenados à mediocridade de leituras empoladas com alentos de cenáculos burgueses.

Ética e Semiótica têm sido maltratadas como se fossem mercadorias ideológicas impregnadas de subjetivismos e relativismos até à náusea. Não são poucas as bibliografias que vêem na Ética e na Semiótica paraísos para estudar a realidade sempre reduzida e brinquedos do racionalismo e do empirismo mais tolos. Nesses paraísos é a consciência a que determina o ser, o social é um enigma sem manchas de classe e a história é uma roda tonta que não avança. O mais progressista para eles é o retorno ao “primitivo”. E sobre essa sopa de confusões e ninharias flutua uma nata espessa de impotência, imobilidade e quietismo pasmosos. Creme e nata do reformismo.

Ética e Semiótica devem converter-se de imediato em ferramentas para transformar a base económica da sociedade e impulsionar uma revolução de toda a superestrutura, ser úteis às mudanças materiais das condições económicas de produção e ser úteis na transformação profunda das formas jurídicas, políticas, artísticas ou filosóficas de uma sociedade nova sem classes e sem patrões. Em suma, ser úteis no desenvolvimento de todas as forças objetivas e subjetivas de que a humanidade necessita para consolidar a consciência das suas forças no momento de resolver definitivamente a sua emancipação. É absolutamente inadequado desviar a praxis da Ética e da Semiótica, dos factos económicos básicos, das ideias políticas, das estruturas jurídicas… e as ações por elas condicionadas. O preço que se paga por esse desvio é que, entre outras calamidades, se divorcia o conteúdo da forma e caímos na armadilha oligarca desejada para nos afundar em erros e evasivas.

E quando esse desvio determina os nossos métodos de análise e ação, negamos o seu desenvolvimento social e negamos o papel e o efeito que a Ética e a Semiótica desempenham na história. Descobrimos que todo o tratamento anti-dialético e metafísico da Ética e da Semiótica distorcem por definição os factos económicos e os factos subjetivos, incluso a partir das suas próprias causas. E essa aberração é convertida em negócio deles para nos entreter com as suas aulas, com as suas igrejas ou com os seus mass media. Por isso há que consolidar a Ética e a Semiótica como baluartes da ciência revolucionária. Necessitamos de uma Ética e uma Semiótica desalinhadas para intervir – como chave de luta – na teia jurídica, política, religiosa, artística ou filosófica… assim como em todas as formas “ideológicas” para as desativar de raiz e esclarecer a incumbência de inundar os povos com “falsa consciência”, ilusionismo e imobilismo que são motores de toda a distorção da realidade. Requeremos Ética e Semiótica como ciências emancipadoras para impulsar a emancipação da humanidade.
Mais atual que nunca, o relatório MacBride sobrevive ao esquecimento imposto pelos comerciantes da Informação e da Comunicação, e hoje continua exigindo-nos as respostas teórico-práticas que mais urgem, com a Ética e a Semiótica emancipadas e emancipadoras, sempre à mão nas lutas populares. Sem esquecer a Estética.
(Trad., CS/LA)

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